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| Este foi meu lar por dois anos. 90 mil pessoas gritando. |
Nunca pensei que chegaria onde cheguei. Aliás nunca pensei que chegaria onde cheguei há 2 meses atrás.
Era um dia ensolarado. Um contraste interessante com os gélidos dias de Ann Arbor. O dia não poderia ser outro: 1o de janeiro. O jogo não poderia ser outro: Rose Bowl. A Universidade de Michigan passara por momentos turbulentos até a minha chegada - modéstia a parte. Dois anos atrás tudo mudou. E por que mudou? Porque nosso front office começou a ter uma macrovisão da divisão de Football da Atlética da Universidade. O problema, principalmente, era a exagerada desconcentração mediante delegações de poder. No fim o Head Coach era aquele que assinava e só.
A delegação de poder, portanto, ao meu ver era perigosa. Desde que comecei a treinar, há 20 anos, sempre prezei pelo contato com meus jogadores. O Futebol Americano é um esporte coletivo. Assim tem que ser quanto ao técnico, então: não um catado de técnicos cada qual com sua área. Mas uma equipe, uma família.
Felizmente vencemos a partida - com relativa facilidade. As options funcionaram bem - como costumam funcionar no FA universitário. Os passes longos entraram com facilidade. O Gameplan foi executado à perfeição. E eu sabia que… Equipes da NFL entrariam em contato comigo me aliciando. Tinha medo. Tenho medo. Sabe o que todos dizem, né? Coaches da NCAA não se adaptam aos profissionais. Será que aconteceria isso comigo? Seria totalmente diferente o modo pelo qual falaria com os jogadores. Aqui eles recebem bolsa para jogar. Lá eles recebem milhões.
Supondo que me chamassem, tinha alguns times em mente: Panthers, Cardinals, Bills, Bengals e o Bears. Quando eu falo "em mente" quero dizer "talvez eles me chamem". Pode até parecer estranho o Bears nessa lista vindo de um NFCCG. Mas Lovie Smith levantou boatos que iria se aposentar. E eu não acreditava numa promoção de ninguém do coaching staff para a posição de HC. E, ok, eu queria ir pro Bears. Achava que eu era o cara que podia leva-los ao Super Bowl de novo. Prepotência a minha? Talvez, mas isto é só um diário, ninguém vai ler mesmo.
O inverno começava a ficar mais brando em Michigan. Já era meados de fevereiro e nenhuma equipe da NFL havia entrado em contato comigo. Pensei: bom, vou continuar meu trabalho aqui. Amo Ann Arbor e estamos desenvolvendo um ótimo trabalho a longo prazo. Tive que ir em casa no almoço e depois voltei ao escritório. Queria rever os erros que cometemos no Rose Bowl. Com minha lapiseira na mão e uma folha de papel redesenhei a jogada na qual nós fomos interceptados. Depois de desenhar vários "x" representando a OL, meu telefone tocou. Achei estranho não ter passado pela secretaria do Departamento Atlético e ir direto pra minha mesa. Eu conseguia ver o número e o código de área: 716. Ora, 716 era Buffalo. Atendi com um simpático "alô". Já sabia o quê esperar.
Do outro lado da linha, Buddy Nix. Buddy era General Manager do Bills há 2 anos e nós, técnicos, sabíamos que ele queria um técnico novo pra levantar o Bills. Diziam até que ele queria mudar a equipe pra Toronto - o que eu acharia um crime. O convite, pois, veio. Mas indireto, obviamente. Ele me chamou para uma reunião em Orchard Park no dia 3 de março. Poxa, o Bills? Convenhamos, qual a chance de… sei lá, eles ganharem do Patriots nesta temporada? Nenhuma. Não queria pegar essa bomba. Mas quero treinar na NFL. Vai que dá certo, né?
Durante mais duas semanas nenhuma outra equipe me ligou. Conformei-me com o Bills. Isso porque nem era certo que seria contratado por eles, né. Sentei na cadeira e fiquei olhando o sol se por. Já era fim de expediente e imaginava que todos já haviam ido embora do prédio. Foi então que ouvi baterem na porta. Minha secretária entrou e a cumprimentei.
- Victor, pediram para você retornar esta ligação - ela falara com bastante calma.
- Pois não, obrigado Sofia. - Retribui a cordialidade após ela colocar o post-it com o número de telefone na minha mesa. Acima do número estava escrito um nome. A. Davis. No instante que li, tremi na cadeira e bebi um copo d'água inteiro. Meu Deus, Al Davis quer falar comigo. Quando imaginei que isso ia acontecer? Bem, nunca. Cresci na California e sempre fui fã do Raiders. Era aquele momento que você sonha a vida toda. Tirei o telefone do gancho e disquei. Uma voz grave, acentuada pela idade me atendeu. Era a lenda em pessoa. Acabei por me anunciar e ele já foi direto - como imaginei que seria. Ele me queria em Oakland. Mas começou a fazer suas restrições… Disse que comandaria o Draft pessoalmente e acabaria por filtrar e editar algumas decisões minhas. Que sinuca fiquei. Nunca conseguiria trabalhar assim, cacete. Ninguém consegue! Tive de recusar o convite. No ato. Honestamente, não queria ser subordinado a um Owner como seria em Oakland. A corda arrebenta do lado mais fraco - e seria do meu lado.
Já era 2 de março. Tinha de arrumar minha mala. Coloquei minha lapiseira da sorte no bolso de fora da mala. A cueca que usava era a da sorte - é, eu sei que é bizarro, mas tenho isso. Enquanto arrumava a mala liguei a TV e coloquei na NFL Network. Pra variar estava passando o Total Access. E a repórter - muito bonita por sinal - anunciava a aposentadoria de Lovie Smith. Ao que parecia ele estava com problemas cardíacos ou algo assim. Prendi minha atenção na TV e comecei a rezar. Um emprego em Chicago é tudo o que eu mais queria. Aí o telefone tocou.
Semana que vem tem mais. Quem será que era do outro lado da linha?
